entre a chuva e o boneco de neve

Vídeo Instalação
Sara Ramo
Fotografia: Pedro Aspahan e Sara Ramo
Montagem: Pedro Aspahan

SARA RAMO OU DAS VÁRIAS MANEIRAS DE SOLETRAR A PALAVRA PEDRA

“Há pedras entre nós”, disse o boneco de neve à chuva, que chegava, incontornável. O boneco queria comer as pedras pensando em assim ter um esqueleto, que não passe com a chuva, que resista à primavera. Mas ele pode apenas falar e repete para a chuva: há pedras entre nós.

Enquanto a chuva cai observamos as pedras em oposição ao incessante fluxo, de água, de palavras e idéias. Tudo quer passar e ali estão as pedras, silenciosas. Assim esquecemos que tudo que resiste e é contido também é incontinente, é descabido e não cabe, nem mesmo em palavras. Resistir não cabe em dicionários.

Cuspir as pedras ou engolir as palavras? Sara Ramo passeia entre esses dois registros temporais a que somos cotidianamente submetidos. Um vídeo (entre a chuva e o boneco de neve) narra esse trânsito: um espaço é dividido em dois, por linhas brancas como uma quadra de jogos, um grid. De um lado uma bola de cor cinza que quica, sem parar, marcando um ritmo. De outro, bolas de papel caem, viram pedras que se multiplicam. Sara entra em cena tentando tirar as pedras do grid, que insistem e reaparecem a cada retirada . Curiosamente sua figura parece não se ajustar á escala do cenário, revelando uma certa desmedida das coisas, que estão tanto maiores quanto menores que nós, mas nunca coincidentes. Sara parece desistir, não entrando mais em cena, passando assim para um outro lado.Como uma ampulheta que viramos, as pedras então voltam a subir, revertendo-se em bolas de papel. Um escorregador foguete com o escorrega cortado ao meio parece seguir esse improvável curso ascendente das pedras.

Na galeria, ora cubo branco ora caixa preta, repousa o fundo da ampulheta (Avalanche), invadindo o chão, nos obrigando a caminhar por entre as pedras para ver ao fundo um calendário. Sobre a grade dos dias figura a imagem de um escorregador com pedras amarradas, suspensas antes de caírem no chão. A instalação parece replicar o vídeo: agora nós somos os atores nesse jogo. Se na caixa preta o escorregador no foguete é partido ao meio,(Vai pequeno elefante), poderia ser também a metade superior da ampulheta, no cubo branco, as pedras por ele escorregaram e ficaram suspensas.

Batizando também toda a exposição, as fotografias Invasão ou tudo que ficou contido mostram o ateliê da artista (duplo inevitável da galeria) sendo invadido por bolas de papel, flocos congelados, todas as idéias de uma vez só, tudo o que não deu tempo de dizer, escrever, pensar. O silêncio se tornando linguagem, menos por ausência do que por excesso. Um fluxo discordante: a que palavra corresponde a pedra e seu silêncio sedimentar? Como soletrar as pedras?

Matheus Rocha Pitta

Agosto de 2005

http://www.eba.ufmg.br/grupo/textosara01.htm


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